Reportagem: Wellington Sena
Entrevista com o Piloto de Arrancada Paraibano Paulo Afonso.
[GARAGEM83] Paulo, quando começou sua paixão por correr em arrancadas?
Nasci e me criei gostando de carros e conheci arrancadas há mais de 10 anos, vendo vídeos na internet passei a apreciar a modalidade. Meu pai me levou a uma arrancada em Caruaru em 2002. Logo depois houveram grandes eventos de arrancada em João Pessoa, minha cidade. Gosto de carros e motores fortes em geral mas o que me fascina neste tipo de corrida é o nível de preparação que os motores chegam: muita potência se comparado às cilindradas dos motores, que também são muito "explosivos" no sentido de liberar a potência de forma absurdamente rápida, levantando giro e despejando torque em questão de momentos, o que não acontece em corridas de circuito onde os motores devem durar uma corrida completa ou uma temporada inteira.
[GARAGEM83] Você tem um veículo de rua que também disputa os campeonatos de arrancada em Caruaru. Qual é, afinal, a configuração do seu veículo?
A configuração é muito básica, pois além de rua é de uso diário. A carroceria é original e a suspensão é composta de amortecedores especiais com molas trabalhadas na dianteira e molas especiais curtas na traseira, mantendo altura quase original do veículo. Para completar uma barra estabilizadora que ajuda nas curvas e frenagens. Para matar a curiosidade de todos: motor é o 1000 cilindradas stand, todo original de fábrica (pistões, bielas e virabrequim) contando com um cabeçote oriundo dos motores 1000cc da GM mantido original, inclusive o comando e válvulas. Bomba de óleo e combustível são originais e estão dando conta do recado muito bem. O câmbio é original do VHC (relações de marcha curtíssimas) e conta com embreagem original de fábrica que ainda não desliza aos 46.000 km rodados. A turbina é uma T2 com caixa fria .42 mas as medidas de caixa quente, eixo e rotor são segredo. Quem segura a turbina é um coletor de ferro fundido especial. Já a saída de escape é da SPA, uma special order cuja configuração é segredo também. O intercooler é alemão, emprestado de um Fiat, e aguenta bem os 1,3kgf/cm² empurrados pelo caracol a partir da 3ª marcha (na 1ª a pressão é de pouco mais de 0,5kgf/cm² e em 2ª cerca de 1 kgf/cm²). A SPA também é fabricante do dosador HPI que alimenta o motor junto com 4 injetores Bosch importados com 43 lbsh de vazão cada. O sistema de ignição é original usando velas mais frias com gap de 0,8mm. O corte de giro é feito pela injeção original aos 6.600 rpm. Estou preparando agora uma injeção programável para instalar no carro, não visando ganhar potência, mas sim um acerto sem os buracos que a configuração atual com acerto por HPI possui. Com isso a coisa vai ficar ainda "mais feia" nas próximas arrancadas.
[GARAGEM83] Você disputa as etapas de arrancada na categoria “desafio” com um Celta e tem obtido excelentes resultados nos 201m com pouco mais de 10s. A que se deve tal performance?
Nesta última arrancada em Caruaru-PE consegui na melhor puxada 9,956s de tempo de pista nas oficiais de domingo. É difícil explicar isso, mas posso afirmar que conhecer bem o carro e a preparação faz muita diferença pois influencia diretamente na "tocada" (modo de pilotar) o que contribui muito para um bom desempenho independente da potência. Uma boa coerência entre o motor e a suspensão preparada trazem valiosos décimos. O restante dos fatores não dá para falar, afinal é entregar o ouro aos bandidos.
[GARAGEM83] Na sua opinião, disputar arrancadas com um carro de rua possui a mesma emoção que disputar com carros superpreparados?
Os mais puristas preferem os carros com aparência de rua. Para eles a graça está em acelerar um "carro que seja realmente um carro". Em parte esse é meu caso, mas não posso dizer muito pois nunca competi com um carro superpreparado. Para mim o ideal é um veículo com a mesma aparência de um carro "original" (ou próxima disso) conjugado com uma mecânica de pista de alto desempenho. Penso em logo montar um carro exclusivo para correr, e deverá ser assim. O grande "x" da questão é o que chamam de "a febre" ou "doença do parafuso": quando se tem essa doença, mesmo com um 2.0 de 800cv na mão você deixa de sentir "emoção" em algum momento, daí resta tirar os bancos, forros e vidros para o carro ficar mais leve e andar mais.
[GARAGEM83] O que é mais difícil: tempo de reação ou tempo de pista?
O tempo de reação na cronometragem de Caruaru é relativamente fácil de baixar para níveis bons como na casa dos 0,1s ou 0,2s já que lá não há variação do tempo no pinheirinho.Tempo de pista é difícil de baixar e até de repetir um bom tempo. Às vezes com uma determinada preparação durante um evento, se faz um ótimo tempo no começo do dia que não se consegue repetir em todo o restante do evento. A condução influencia muito ao tentar baixar o tempo de pista e é bem difícil acertar, tem que ter sensibilidade e habilidade. O resto é preparação do carro: aqueles que têm dinheiro de sobra baixam tempo desse modo mais fácil, aqueles que têm pouco dinheiro têm que extrair leite de pedra.
[GARAGEM83] Correr em campeonatos de arrancadas, para muitos pilotos profissionais e amadores, o que conta mais é a paixão e adrenalina. Você acha que falta incentivo das montadoras para resgatar este esporte?
Sim. Nos estados unidos por exemplo montadoras participam ativamente patrocinando os carros em arrancadas, não só em corridas de circuito. Na europa as montadoras têm divisões de performance que fornecem peças e kits para equipar os carros, oferecendo qualidade e segurança. Aqui, além do custo ser alto para todos os motores (exceto os VW AP) patrocínios nesta modalidade são difíceis para os carros e até para os eventos. Paixão e adrenalina nos movem, mas os custos atrapalham. A arrancada mais próxima da Paraíba é em Caruaru-PE (250 km de João Pessoa) e só a inscrição custa a partir de R$150,00. É caro porque os custos do evento são caros.
[GARAGEM83] O brasileiro é realmente apaixonado por carros?
Até certo ponto sim, entretanto o futebol é muito mais visível. Ainda, os carros e esportes a motor aqui têm apenas uma visibilidade para os grandes eventos, e muitos dizem gostar, mas é muito raro conhecer no dia-a-dia alguém apaixonado de verdade por motores fortes e que conheça a coisa na realidade. Somos grupos pequenos aqui no estado.
[GARAGEM83] Dizem que você é autodidata e faz sua própria preparação. É verdade?
Sim. Mas isso é mais comum que imaginamos. Conheço pessoalmente alguns que como eu preparam o próprio carro, desde a definição do projeto, escolha de peças até a montagem. Alguns fazem mais uma coisa que outra. Fazer a preparação do próprio carro torna a coisa muito melhor, traz mais satisfação e deixa mais envolvido. Não que dirigir um carro preparado por outra pessoa para você não seja emocionante, mas estar envolto por tudo e ver o seu trabalho "andando na frente" é muito recompensador.
[GARAGEM83] Na sua opinião, qual o melhor para arrancadas: turbo ou aspro?
Tecnicamente o aspro anda melhor em curtas distâncias, pela falta de linearidade e dificuldade de controle progressivo dos motores turbo. Mas essa diferença diminuiu com a invasão de tecnologias como acelerador sem cabo, booster eletrônico e controle de largada. Acho que a escolha vai do gosto de cada um. Adoro motores turbo, a pegada é fantástica, mas fico arrepiado quando vejo por exemplo um Honda Si aspirado girando alto ou um seis em linha forte com aquele som único ecoando na pista. Tem uma parte de mim que gosta de carro que consegue gerar potência unicamente pela configuração construtiva do motor, sem compressores ou nitro ajudando. A outra parte gosta do caracol assoprando e empurrando no banco.
[GARAGEM83] A série “Velozes e Furiosos” não é, na sua opinião, um incentivo desvirtuado ao fazer apologia às chamadas corridas clandestinas ou “rachas” de ruas?
O filme pode ser um problema de apologia, pois distorçe as corridas ilegais de rua ao levar para todo o mundo uma realidade, que por mais que exista, é muito particular de algum local. Além disso o filme glamouriza este mundo do rachas. Mas o fato é que filmes devem ser assim (se não as ficções e filmes de ação estariam condenados). O problema está nas pessoas, especialmente as mal informadas que se iludem com este tipo de coisa e levam isso para a vida real, o que é um perigo.
Fotos: Jonathas G. Alves / Elton Andrade / Wellington Sena
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